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Manual Prático da Reforma Tributária - Parte 2

Manual Prático da Reforma Tributária - Parte 2

A Ameaça Primária: Uma Carga Tributária Desproporcional e Potencialmente Incapacitante

A maior e mais imediata ameaça da reforma tributária não reside em sua complexidade transitória, mas sim no potencial de um aumento severo e desigual da carga tributária efetiva. Este risco afeta de forma desproporcional os setores intensivos em mão de obra e as pequenas empresas, cujos modelos de negócio são estruturalmente vulneráveis à mecânica do novo IVA.

O Setor de Serviços na Mira

O setor de serviços, que responde por uma parcela majoritária do PIB e do emprego no Brasil, encontra-se em uma posição particularmente perigosa devido ao que pode ser chamado de “paradoxo da folha de pagamento”.

· O Problema Central: O principal insumo da vasta maioria das empresas de serviços não é matéria-prima, mas sim capital humano. Seus maiores custos são com salários, encargos e benefícios, despesas que, sob as regras do novo IVA, não geram créditos tributários. Ao contrário da indústria, que compra insumos e acumula créditos para abater o imposto a pagar, as empresas de serviços possuem uma base de creditamento muito restrita.

· A Matemática Bruta: A consequência é alarmante. A alíquota padrão do IVA, que o governo projeta em torno de 26,5% — uma das mais altas do mundo — incidirá sobre a quase totalidade da receita bruta de muitos prestadores de serviços. Isso representa um salto monumental em comparação com os regimes atuais. Por exemplo, uma empresa no regime de Lucro Presumido, que hoje paga 3,65% de PIS/COFINS mais um ISS que varia tipicamente até 5%, enfrentará uma alíquota única e muito superior.

· Quantificando o Impacto: As projeções de entidades setoriais pintam um quadro preocupante. O Sindicato das Empresas de Serviços Contábeis de São Paulo (SESCON-SP) alerta para aumentos que podem ultrapassar 300% para escritórios de contabilidade que hoje se beneficiam de regimes especiais de ISS por profissional. Um estudo do Conselho Federal de Contabilidade (CFC) corrobora essa visão, apontando para uma elevação significativa da carga tributária no setor, o que poderia estimular a informalidade e reduzir a geração de empregos. Até mesmo setores que receberam tratamento favorecido, como o da saúde, que terá uma redução de 60% na alíquota, projetam um aumento líquido da carga tributária em torno de 27%. 

Projeção de Impacto da Carga Tributária por Setor

Setor

Carga Tributária Atual (Exemplo Simplificado)

Novo Regime (Projeção de Impacto)

Fonte/Observação

Serviços Profissionais (Contabilidade)

ISS fixo por profissional + PIS/COFINS

IVA de ~26,5% sobre a receita bruta, com potencial de aumento superior a 300% na carga.

SESCON-SP

Serviços em Geral (Lucro Presumido)

PIS/COFINS 3,65% + ISS ~5%

IVA de ~26,5% sobre a receita. Aumento pode chegar a 18,76% nos preços finais.

Estudo Fenacon

Saúde

Carga residual de 4,4%

IVA com redução de 60% (alíquota efetiva de ~10,6%), resultando em aumento de 27% na carga total.

Representantes do setor

Indústria (Linha Branca)

Sistema complexo com créditos de IPI/ICMS

IVA de ~25% com creditamento amplo. Estudo de caso aponta potencial de aumento de 7,4% nas vendas devido à redução de preços.

Estudo de caso FGV

Agronegócio

Benefícios e isenções (Lei Kandir, etc.)

IVA com redução de 60% para produtos in natura e insumos, mas com risco de aumento de custos para produtores pessoa física.

CNA

Comércio (Simples Nacional)

Alíquotas progressivas unificadas no DAS

Risco de aumento da carga tributária ao optar pelo regime híbrido para gerar créditos, com aumentos projetados de +116% a +206%.

Estudo de caso

 O Dilema das Pequenas Empresas: O Simples Nacional Ainda é Simples?

A reforma optou por manter o Simples Nacional, regime que hoje abriga 18 milhões de empresas e sustenta mais de 42 milhões de empregos no país. No entanto, as novas regras criam um dilema competitivo que ameaça sua própria essência.

· A Ameaça à Competitividade: Empresas optantes pelo Simples Nacional não poderão repassar créditos plenos de IBS e CBS para seus clientes B2B. Isso as torna fornecedoras menos vantajosas para grandes empresas, que operam no regime normal do IVA e buscarão maximizar seus créditos tributários para reduzir seus próprios custos. Na prática, uma grande indústria pode preferir comprar de outra grande empresa, mesmo que mais caro, do que de um fornecedor do Simples, se o crédito gerado compensar a diferença.

· A Complexidade “Híbrida”: Para mitigar esse problema, a reforma oferece uma opção “híbrida”: a empresa do Simples pode escolher recolher o IBS e a CBS “por fora”, no regime normal, para poder gerar e transferir créditos, enquanto mantém os demais tributos (IRPJ, CSLL) na guia unificada do Simples. Essa solução, contudo, destrói o propósito do regime: a simplicidade. Ela força micro e pequenos empresários a adotarem um controle rigoroso de créditos e débitos, uma prática antes restrita a grandes corporações com departamentos fiscais robustos.

· Risco Existencial: Análises apresentadas à FecomercioSP alertam que essa nova dinâmica pode tornar o Simples mais caro e complexo que os regimes de Lucro Real ou Presumido para muitas empresas, especialmente no comércio e serviços. A falta de informação clara e o despreparo para essa nova complexidade são apontados como o maior perigo imediato para a sustentabilidade desses negócios.

O Efeito Dominó: Fluxo de Caixa, Incerteza e uma Nova “Guerra Fiscal”

Além do aumento direto da carga, a reforma introduz outras ameaças. O ressarcimento de créditos de ICMS acumulados no regime antigo, que será feito em 240 parcelas mensais, pode comprometer a liquidez das empresas no curto e médio prazo. Adicionalmente, a incerteza regulatória é um fator de paralisia.

Pontos cruciais, incluindo a alíquota padrão final e uma miríade de regras específicas, ainda dependem da aprovação de leis complementares no Congresso, tornando o planejamento estratégico de longo prazo uma tarefa extremamente difícil.

Nesse cenário, emerge uma consequência não intencional da reforma. Embora tenha sido projetada para acabar com a “guerra fiscal” entre os estados pelo ICMS, ela inadvertidamente cria um novo campo de batalha: uma guerra política em Brasília por exceções e alíquotas reduzidas. Cada setor que consegue, por meio de lobby, garantir um tratamento favorecido — como o agronegócio, saúde, educação, entre outros — contribui para aumentar a carga sobre os demais. Isso ocorre porque o governo se comprometeu com a neutralidade da arrecadação total; portanto, se um setor paga menos, outro precisa pagar mais para compensar.

A Confederação Nacional da Indústria (CNI) tem sido uma voz ativa nesse alerta, afirmando que a proliferação de exceções levará a uma alíquota padrão mais alta para todas as atividades sujeitas ao regime geral, prejudicando a economia como um todo.

As próprias simulações do Ministério da Fazenda confirmam que o cálculo da alíquota de referência é diretamente sensível às exceções concedidas. Portanto, a “maior ameaça” de uma carga tributária elevada não é um resultado técnico fixo, mas sim uma variável política dinâmica, cujo valor final refletirá o balanço de poder entre os diferentes lobbies setoriais.

A Contraofensiva: Uma Batalha em Múltiplas Frentes por Soluções

Diante de uma ameaça tão significativa, uma contraofensiva está em andamento, travada tanto na arena legislativa quanto dentro das próprias empresas. As soluções buscam criar redes de segurança para os setores mais vulneráveis e preparar o ambiente de negócios para a nova realidade.

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