“Garçom tira a conta da mesa / e põe um sorriso no rosto / seria muita avareza / cobrar no onze de agosto...”

Hoje fujo um pouco dos temas técnicos para celebrar o Dia do Advogado e da Fundação dos Cursos Jurídicos no Brasil. Em meio a tantas tradições e ritos, a advocacia também tem seu lado divertido. Falemos do famoso “Pendura”.
Tema até de música de Noel Rosa (Conversa de Botequim), o Pendura nasceu no início do século XX. Caracterizado como o clássico “...pedir, comer, beber, agradecer, a gorjeta nunca esquecer e sair sem nada pagar.” Conta-se que possa ter nascido com os proprietários que convidavam os acadêmicos, seus clientes, para brindar a fundação dos cursos jurídicos, no dia 11 de agosto, em seus restaurantes, oferecendo-lhes, gratuitamente, comida e bebida. Com o passar dos tempos, os convites diminuíram até acabar, obrigando assim os acadêmicos a se auto convidar.
Contam-se causos famosos. Como nos anos 50, quando no restaurante Carlino, localizado no Largo do Paissandu, estudantes de direito passando-se por responsáveis pela campanha de Hugo Borghi ao governo do Estado, marcaram um jantar em homenagem ao candidato. No dia, o "candidato-fake" e toda sua equipe chegaram e entregaram-se ao banquete. Após emocionado discurso, agradeceu e assinou a conta para ser "paga" no diretório central do PTN.
Outro Pendura grandioso aconteceu no Restaurante Franciscano, na Rua da Consolação. A casa era famosa pelo chopp da Brahma e pela boa carne. Teve discurso, homenagens, agradecimentos, muita carne, cerveja, gorjeta religiosa e correria na saída. Dessa vez, um estudante de nome Ricardo, do PRA, então um partido da direita, convidado por namorar uma das acadêmicas integrante do Movimento 23 de Junho, apaixonado pela moça e pela cerveja, tardou a reagir e foi preso. O que motivou três estudantes a trajarem terno e gravata, apresentarem-se como "advogados" chamados pelo enamorado detido, e lamentando o ocorrido, explicarem a tradição, livrando o “cliente” da Polícia, sempre chamada nessas horas.
Aqui cabe repassar a receito do “verdadeiro” Pendura. Deve ser iniciado com a entrada discreta no restaurante, em pequenos grupos, para não chamar a atenção. As roupas devem ser compatíveis com o local escolhido. Ocupa-se mesa central, bem visível. O pedido deve ser normal, sem exageros, admitindo-se inclusive frutos do mar e carnes raras.
Quanto à bebida, é necessária! Mas de forma comedida, pois servirá para embalar o discurso de agradecimento ao gentil "convite" da casa. Em demasia, pode transformar o discurso e o Pendura num desastre.
Ao final, após a inevitável sobremesa, pede-se a conta, lembrando-se de detalhe que nunca pode ser desrespeitado: o pagamento dos 10% da gorjeta do garçom. Nisso, o líder e orador, deverá levantar-se e começar a discursar, sempre saudando o estabelecimento e seu proprietário, agradecendo o "convite" e a hospitalidade, enaltecendo a data, os colegas, a faculdade de origem, o Direito e a Justiça.
O verdadeiro Pendura, pode ser aceito ou rejeitado. No primeiro caso, ficará incompleto! Agora se rejeitado, deve partir dos estudantes de direito a iniciativa de chamar a polícia, e de preferência, dirigindo-se todos à Delegacia mais próxima, o que sempre é favorável diante da empatia do Delegado de plantão.
Termino por explicar a quem não seja da área: não há crime na tradição do Pendura. Aqueles que desprezam a tradição, “pendureiros” frustrados que sempre desejaram pendurar, sem coragem para tal, confundem a tradição com o tipo penal no qual o sujeito realiza refeição sem que tenha condições para seu pagamento, caracterizando o crime. No Pendura, o estudante tem meios para pagar a refeição, o que descaracteriza o delito, de modo que, embora tenha condições para pagar, não o fará em respeito à tradição.
Gostaria de agradecer a dois ilustres advogados que me esclareceram e inspiraram neste tema: os Drs. Belisário do Santos Júnior, ex-secretário de Justiça de São Paulo e Luis Flávio Borges D’Urso, ex-presidente da OAB, seccional São Paulo.